quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O homem sem braços

Para a solidao, alguns significados. Precisava relaxar, peguei um cigarro na minha carteira Phillip Morris e uma dose de Contreau. Olhei a rua, a varanda era alta, e a temperatura estava amena, boa, o vento passava respeitoso pelo meu rosto. Acendi o cigarro, dei o primeiro trago. Senti o gosto rascante. Como era bom aquele primeiro trago. Tomei um gole da bebida e senti meu corpo relaxar mais e mais. Era a Barcelona amena, diferente e agradável. Eu nao precisava fazer esforço para estar feliz. Estava só, entretanto sentia-me completa. Passavam pessoas lá embaixo, e eu amava vê-las seguir em frente. Quando vi uma família: uma mulher empurrava um carrinho com um bebê e o marido vinha atrás. Ele nao tinha os dois braços. E nas costa, uma pequena mochila infantil. Tomei mais um trago e bebi mais um gole daquele liquido adocicado. Meu pai também ama Contreau. Eu nao gostava até duas semanas. Agora entendo, faz a vida doce, alaranjada, refrescante.
O homem chegueu perto do lixo e começou a tocá-lo com os pés. Procurava, tentava defender sua família. E continuava a chutar os sacos pretos de lixo. Tomei mais um trago. Colocou sua cabeça dentro da caçamba, era esperançoso. Queria comer, queria vestir-se, o que queria? Era amargurante. E o bebê ali. Que futuro tinha? O que significaria futuro para ele? É uma palavra para poucos. É inexistente para muitos. E eu estava tao feliz com minha mochila nova. Ela era toda colorida, cheia de flores.
Que flores haviam na vida daquele homem? E mais uma pessoa havia sido colocada no mundo. Era injusto, era o habitual. Passavam pessoas e nem olhavam. Elas, simplesmente, escolhiam nao ver. E seguiam satisfeitas.
Eu estava alta naquela varanda bonita de um albergue espanhol. Eu nao estava só. Sim, eles estavam sós. Estavam separados de toda beleza do mundo. Estavam a parte. E tinham que preocupar-se a cada segundo, a cada passo.
E a família foi embora. E o homem seguiu, sem braços, nem nada encontrar e sem nada esperar dos dias. Seriam secos como o de hoje, como o de ontem e como o de amanha. E eu seguiria contente, todavia, só até aquele momento. Nao direi mentira. Depois do banho, já terei esquecido a cena e farei parte de todo o resto que escolhe nao ver. Escolhemos nao ver, nao saber. Mas eles estao ali.
Um jovem bonito atravessou a rua e jogou um colchao aparentemente novo perto do lixo. Ele nao precisava daquilo. Devia ter outro melhor em casa.
Terminei meu cigarro, tomei o último gole de Contreau. Entrei no quarto e fechei a porta da varanda. Ela era pesada como a realidade do homem sem braços. Entao, virei as costas para o que tinha visto. E sentia-me culpada por ter comprado a mochila nova. E todos seguem, eu seguirei, e eles também.

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