“De nada adianta ficar-se de fora
A hora do sim é um descuido do não”
Toquinho e Vinicius de Moraes
Acordei cedo, vesti-me bem bonita. Preparei-me para sentir o frio de Paris. Resolvi ir a Champs-elysees para ver as lojas, descobri o charme do lugar. Eu só queria achar a Orange, eu queria poder falar com aquele erro misterioso, aquele sujeito diferente, intrigante. Quem era ele? O que queria de mim? Eu andava alegre, satisfeita. Acordara e fizera uma maquiagem simples e charmosa. O que poderia eu dizer? Eu estava desejosa.
Fui à pé da Rue de Mouffetard até a Rue de Rivoli. Meus dedos doiam de frio e eu não podia segurar minha Nikon D40. Era impossível regular a velocidade, era impossivel pensar em enquadramento. Seguia fotografando com meus olhos. Algumas pessoas corriam, outras turistavam alegres. Vejam, estamos em Paris. Sim, é dificil misturar-se, mas impossivel não é uma palavra francesa.
Subi a Champs-Élysées. Ela não é a Paris que amo. A Paris de ruas estreitas, a Paris de pouca gente, de gente engraçada, de casais de verão, de caras amarradas e de sorrissos largos. Aquela era um Paris de todos, e muito pouco dos franceses, dos “parisien de souche”, uma bendita escassez.
Minha calcinha encomodava muito. Era dificil de alcançá-la, eu portava a calcinha, uma cirola, uma calça jeans, vários casacos, luvas de couro. Sentei para disfarçar e tirar aquela bendita de minha bunda. Foi quando vi um belo garoto de mais belos ainda olhos azuis a pegar um grande anel de ouro no chão. Então, ele perguntou-me se era meu. Truque antigo. Se meu francês fosse melhor, eu lhe perguntaria se ele não havia aprendido nada mais novo, pois aquele era da época de Doisneau, aproximadamente.
Levantei-me preocupada e disse que era casada. Casamento está em sua cabeça. E está sempre na minha. Sempre. Vivo a pensar no casório, penso tanto que assusto os homens, quero tanto e quando alguém quer, eu fujo assustada. Uma coisa é querer, outra coisa é acontecer. Quero casar, outra é casar. Quero morrer, outra é morrer. Quero amar, outra é amar. É a alma humana, não sabemos nem mesmo o que queremos. É uma passado cruel, é um futuro devaneado.
Entrei feliz na Orange naquela rua larga. Comprei um chip da França. Eu agora tinha um número, um código. Eu existia neste país, eu estava aqui de verdade. Mandei uma mensagem a Alexis.
“Bonjour! C’est Ana. J’ai acheté un sim card. Maintenant nous pouvons parler. Bises.”
Eu andava sorrindo, saltitava de frio e emoção. Fotografava furtivamente as fachadas, as pessoas. Queria que tudo entrasse em minha alma. Foi quando avistei uma fachada verde, antiga, clássica, do segundo império, delicados ornamentos, curvas, tão napoleônico quanto os móveis da casa de vocó Judith.
Lembro da pentiadeira. Sentava no banco, os pézinhos não encostavam no chão. Imagina a mulher não existente ainda na minha face, enxergava os perfumes que teria, os pós-de-arroz, os batons e também as lágrimas que um dia derramaria pelos amores impossíveis.
Coloquei meus dedos no puxador gelado, e abri a porta como quem abre uma caixinha de música que fora da avó ja morta. Era uma caixa sagrada, imaculada e cara. Entrei e não me senti completamente estranha, estava relaxada, à vontade, em casa. Postei-me na fila. As pequenas tortinhas sortidas de cores vivas e pastéis sorriam e se divertiam. Estavam dispostas com sabedoria e beleza. Avançava na fila e havia uma senhora atrás de mim. Era requintada, elegante, tão francesa. Ela já sabia o que queria. As pessoas pediam rápido, todos já sabiam. Eu estava perdida. Não sabia o que era bom.
- Tudo é bom – disse a senhora tão delicadamente como os pais que iniciam o paladar dos filhos com queijinhos Babybel, a suavidade materna e preocupada.
Então, vi os macarrons. Li em voz alta o nome de quadro dos sabores, e em dois segundos lá estava eu pagando pelo meu prêmio. Estavam em minhas mãos em um saquinho delicado e de design “arte nouveau”.
Despedi-me do lugar e sabia não ser aquela a última vez. Quando senti o ar frio em meu narizinho, senti também o celular vibra em meu corpo. Subiu-me um arrepio delirante, quase uma zonzeira mas, sádia.
A voz era tão estranha, não havia o costume de ouvi-la. Era a voz com sotaque rascante de Alexis, um inglês afrancesado. Entendi só metade do que disse. Entretanto, ouvi apenas que ligaria novamente mais tarde, às 18 horas.
Continuei andando, entrei na Shephora. A Champs inteira estava em promoção. Passei meus dedos por algumas sombras de um euro cada. Ah, o prazer feminio pode sim custar barato. A fila do caixa é sempre a hora do arrependimento e frustação. Sempre sinto-me como se fizesse algo errado. As vezes, não. E na verdade nunca precisamos do que compramos. Entretanto, a pura verdade é que nossas vidas dependem completamente dessas pequenas coisas.
Homens gostam de mulheres sensuais, homens gostom de nos cheirar, homens gostam do toque suave da seda do vestido, homens gostam da renda branca sobre a pele morena, homem gostam de cabelos sedosos e bem tratados.
E sim, nós gostamos de carros caros, de ternos bem cortados, de cartão de crédito com limite ilimitado. O mundo é vulgar e malicioso, e eu, preciso ser mais e mais. Ou não.
Cartão aceito, conta paga. Lá estava eu na rua novamente com um pequenos saquinhos da Ladurée e outra da Shephora e ainda outro da Orange. E para ser sincera, não estava feliz. Não gosto de Paris no inverno. Eu gosto da liberdade de minha blusinha pequena, dos meus dedos livres e quentes. Eu não me sentia livre.
Sentei em um banco, abri delicadamente o saquinho e degustei os pequeninos macarons. São bons, sim, são bons. E não são a melhor coisa do mundo. “Ça m’enerve”.
Marchei até o albergue. Quando estava quase na porta, Alexis me telefonou e me convidou para encontrà-lo em um café chamado Le Fumoir. Entrei correndo no alberque, subi tropeçando nos degraus da escada estreita. Entrei no meu quarto já tirando os casacos, pequei tudo que precisa e voei para o banheiro. Foi um banho rápido, porém para mim era uma eternidade. Eu queria chegar logo ao encontro, queria saber, queria descobrir.
Vesti-me, fiz maquiagem e fui. Entrei na estação de metro da Place Monge, e havia muitas pessoas. Todos corriam para um lado e para o outro, eu não sabia como chegar ao café, ficava nervosa com medo de chegar lá e ele não estar mais. Medo, medo, medo, angustia, frisson, e mais medo.
Cheguei ao lugar e fui recepcionada por um japonês ou chinês ou sei lá o que. E fui bem mal tratada. Então ele me viu, e veio ao meu encontro. Não gostei muito do que vi. Não poderia dizer que era absurdamente bonito, era simpático, talvez. E ele não estava com vários amigos, era uma moça. Ela era bela, cabelos escuros, uma boca larga com dentes grandes, olhos pouco encantadores, desajeitados e infantis. Sim, muito bela. E eu não gostei. Talvez eu preferisse estar somente com ela. Virginie. Sim, era Virginie.
Eu timidamente começava a falar. Eu não sabia a pauta, o romance, e qual livro, quem eu deveria ser ali, sim, eu não sabia de nada. Arriscava minha vida, arriscava meu pescoço e minha inocência, sim, tudo em um mesmo segundo.
Falamos sobre nada um bom tempo. E contei como havia conhecido Alexis. Foi quando aconteceu o apelido: puppy. Ele havia chegado à minha pequena mesa e se abaixado para falar comigo, e reposou somente a ponta dos dedos sobre a madeira plana. Sim, era um cachorrinho, um puppy.
Falávamos sobre música. Então cantei:
“Quand il me prend dans ses bras
et me parle tout bas
je vois la vie en rose…”
E naquele momento, nascia nossa música. Nem haviamos nos beijado, e já tinhamos apelidos e música. Era irresistivel. Era ultrajante. Era massificador e impossivel de imaginar. Eu estava fora de mim, não era eu. Não havia nada nos olhos de Virginie, eu não percebia nada. Era inutil tentar, ela era seca pode dentro.
E em três segundos, ele olhou fundo nos olhos dela, dentro daquela Virginie que só ele conhecia, ou talvez apenas pensasse conhecer, passou as mãos ao redor de minha cintura e prendeu-me um beijos atrapalhada. Ele não me beijava, ele mostrava a ela o troféu, eu era um tapa de luva de pelica. Mas eu sabia da existência nula de qualquer sentimentos dentro dela. Era como pedra jogada em lago seco, vazio. Era chuva ácida em panela de inox. Ele precisava dizer para si mesmo: eu posso, eu sou capaz, eu sou mais que ela.
Ele não é.
Eu vi, eu percebi. Então por que não me levantei e fui embora. Por que não me disse: Chegaaaaaaaaaaaaaaaaa! e parti? Pois gosto da emenda, gosto desse reggaeton forçado. Sim, permaneci lá e fiz, com prazer, o papel exigido por ele dentro do teatrinho. Eu era um fantoche vistoso e corajoso. Quase uma boneca de louça ou porcelana. Eu iria quebrar, eu deveria ter quebrado. Todavia, se eu quebrar não há livro, não há vida, não há emoção. Nem para mim, nem para vocês. Continuemos.
Após alguns beijos destrambelhados e com pouco prazer, ela decidiu ir embora. E foi. Assim, bem de repente.
Resolvemos jantar ali mesmo. Comemos um delicioso risoto de trufas com vinho tinto. Ele beijava-me, segurava minhas mãos e ali, eu pensei que seria para sempre. Era claro e confortável. O perigo é não sentir o perigo.
Ele propos uma casa de jazz depois do jantar. Então fomos ao Duc de Lombard. A música era incrível, ele não era incrivel. Beijava meu pescoço com voracidade, e tentava viajar sua mão sobre meu corpo por baixo da roupa. Eu tirava, ele retornava. Eu tirava, ele retornava.
O lugar era azul, era tudo azul. Até eu estava azul, por dentro também. Ele pediu duas taças de vinho. Bebi bem devagar, degustei, ouvia a música e pensava o que fazia ali. Era delicioso o jeito que ele encostava os lábios no meu pescoço. Era quente e macio. Suas mãos faziam massagem nos meus ombros e até minha alma relaxava. Eu queria sair correndo dali e fazer amor com ele, transar com ele, trepar. Fiquei ali, parada e calma. Vontadade dá e passa.
Queria ir embora, outra coisa era ir embora. Eu estava presa ali, grudada e completamente costurada àquele homem de casaco de couro curto e feio, barba por fazer, e pouco cabelo. Sua linguá era especial. E ele me fez sentir especial.
E então, o show acabou. Hora de ir embora. Levantamos e fomos. Entramos na estação de metro, descemos apressados as escadas e em poucos minutos lá estava eu novamente na frente do albergue. Beijamos-nos mais e mais e mais e mais. Ele despediu-se e foi embora. Entrei, subi, deitei-me e não vi nada. Eu não estava ali, era imagético, era sonho, era nada.
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