quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Primeiro dia

“Pra que mentir

Fingir que perdoou

Tentar ficar amigos sem rancor

A emoção acabou

Que coincidência é o amor

A nossa música nunca mais tocou

Pra que usar de tanta educação

Pra destilar terceiras intenções

Desperdiçando o meu mel

Devagarzinho flor em flor

Entre os meus inimigos, beija-flor”

Cazuza

Primeiro dia

Eramos vinte e uma pessoas. Sim, eu estava em um intercambio. Era mais um inicio, mais pensamentos e promessas. Talvez eu nem voltasse para o Brasil. Dependia de mim, dependia de minha vontade e do fogo que ardesse em meu pequenino coração. Seguia distante do resto do grupo. Entramos no ônibus que me levaria ao albergue, e os outros iriam para outro lugar.

Pela janela grande do ônibus, fui reconhecendo os lugares nos quais já havia estado. Pude ver a Sacre-coeur, a Torre Eiffel, passamos pelas Champs-elyses. Meu coração palpitava, sim, eu estava em casa. Nasci para estar aqui. Eu sou um gato preto e branco. Observo e pertenço. Pertenço aos lugares nos quais já estive. Passeio entre as pessoas e faço parte daquela história. Estava em Paris novamente para fazer parte da minha própria história. Meu Deus, proteja-me de mim mesma, pois meu coração arde, meu olhos ofuscam o brilho eterno de minha paz.

Esta é uma história de amor, e como toda história de amor verdadeiro, há início, meio e fim. Eu só preciso encontrar um alma igual à minha, não preciso segurá-la para sempre junto a mim. A fúria destriu a ilusão.

Abrindo e fechando a geladeira, eu perco o sono, me reviro na cama. São multiplos os sentimentos. Escolherei um e seguirei resignada por entre as ruas, mirando as pessoas nos olhos sem saber qual será o próximo passo.

Vê-lo não é mais tão bacana quanto na semana passada. Tudo se passou comme ça. E o futuro representa uma ameaça a resistência sadia de tal amor. A vida transforma as pessoas, e meu futuro e minhas esperanças sempre assustam os homens. Uma mulher com várias opções é uma mulher bem inconstante.

Tomei um banho demorado na ducha de tempo rápido, segurava com meus pés o botão da ducha. Equilibrava com o sabão na mão, a outra pelo corpo. A agua lavava o que sobrou do Brasil, vazia esvair-se, esvaziava devagar, sortia, saltitava. Preenchia meu corpo com agua de canos antigos, agua de Paris. Em minutos estava metade americana, metade francesa e dentro sempre brasileira.

Quando o encontrei no Margen’s na Rue Mouffetard, eu não tinha a menor idéia do que poderia acontecer. Nós nunca temos. Subi e desci a rua mil vezes e não sabia onde entrar. Passei na frente de um restaurante chamado Le Piano Muet e aceitava o meu cartão de crédito. Entrei. Seria meu primeiro contato com a lingua desde minha chegada. Pacientemente pedi fondue de queijo e vinho da casa.

Degustei devagar. Senti o queijo escorrer pela minha garganta e escrevi no meu pequeno caderno:

“É minha segunda vez em Paris. Penso que desta vez será diferente.”

E depois observei a garçonete negra, peitos rigidos, pernas longas, arrumava com perfeição a mesa onde estava um casal. Eles mal se falavam, e não pareciam felizes. A negra veste tennis Adidas vermelho. Rebola entre as mesas com olhos baixos. Le fromage est brulé. As paredes são de pedra e o teto de madeira. Há um segundo andar, talvez uma casa. Esta rua é incrivel e eu gostaria de desenhar todos que estão ao meu redor. Um senhor, deve ser o dono, fica parado observando tudo. E às vezes me olha com carinho. Eu escutava, as pessoas falavam em francês, inglês. “Estou rodeada, hoje não queria estar sozinha, tenho prequiça até de lutar. Não existe mesa para um, sempre sobra um lugar. Vou sair agora relaxada em busca de um amor. Amo amar. Amo a vida. Le bonher plus qu’hier et moins que demain.” E este é o problema de desejar algo, pode tornar-se realidade. E eu nunca sei como lidar com ela. Ela é apavorante e muito presente, preciso de algo que me tire completamente da realidade. Pisquei os olhos e estou em Paris, pisco de novo e não estarei mais aqui.

Entrei em um bar chamado Margen’s na mesma rua. Na verdade não entrei, fiquei na porta olhando, sentindo o ambiente. Havia muitos homens, era um jogo de futebol e eu não sabia o que fazer, se entrava, se não entrava. Subi e desci a rue de mouffetard mais algums vezes. Voltei ao alberque e só então entrei resignada. Pedi uma cerveja grande, olhei em volta, todos miravam somente à televisão. Homens e futebol, em todos os lugares do mundo é a mesma coisa, não existimos perto do grande jogo. E o jogo era Bordeaux e Marseille.. Todos felizes e dois tristes, dois ou três. Minha caneta estava morta e eu pedi uma a garçonete.

Fiquei ali, fingindo interesse, fingindo que desenhava, fingindo que não procurava nada. Na verdade eu esperava uma nova história, eu vivo de histórias, não sei o que gosto de fazer, sei que gosto de viver. E o que farei com todas elas após terem acabado? Colocarei todas em uma gaveta confortavelmente para descansarem em paz na solidão escura de madeiras planas.

Olhei para a televisão. Havia um homem, era um pouco belo. Não sei, as imagens se confudem depois de um tempo, e agora eu o acho muito belo. Talvez não agora, depois de tudo que aconteceu. A vida pode se tornar dificil se não prestarmos atenção, e eu sempre a torno mais triste sem razão alguma. Todavia, eu estava ali, sozinha. E ele começou a me olhar profundo, dentro de uma pessoa que eu inventaria para ele. Eu disfarcei e olhei para a televisão. Ele escondeu-se atrás de um homem. Mas depois de alguns minutos, voltou a curvar seu corpo e pude vê-lo novamente.

E ficamos nesses olhares por uns vinte minutos, até que ele levantou-se e veio até minha mesa. Abaixou-se e colocou suas pequenas mãos delicadamente sobre a mesa, na verdade foram só as pontas dos dedos. Ele tinha olhos verdes, mais verdes que os meus. Não tinha muito cabelo, mas tinha barba grossa. Não era alto, não era baixo. Seus dentes não eram perfeitos como de um brasileiro ou como de um americano. Eram dentes de francês. Observei, observei. Tudo em 3 segundos.

Ele começou a falar em francês e eu pedi que falasse em inglês. E ele me convidou para sentar com ele. Juntei meus casacos, minhas tralhas, minhas virtudes, minhas esperanças e fui envergonhada e satisfeita sentar junto daquele estranho. Sentia-me como um prêmio premiado. Eu era a única mulher ali, e ele havia sido o mais rápido. Nem sempre o mais rápido é o melhor. Entretanto quando se tem olhos verdes e 22 anos é fácil ser alvo dos mais experientes. Eles sabem o que é bom. Aproximam-se com virtudes falsas, e normalmente conseguem enganar-me com maestria. Talvez eu goste de ser enganada. Gosto da mágica, pena que seja sempre falsa. O anel que tu me deste, era vidro e se quebrou. Gosto do intenso e do rápido, rezo por um amor, e me desfaço em lágrimas sempre que precinto o fim. Não consigo segurar o amor. Escorre pelos meus dedos finos e débeis. Vira pó, vira liquido, torna-se ar. Eu não consegui olhá-lo, não conseguia entender o que ele falava. O jogo corria, as pessoas falavam alto, minha cerveja ia se acabando e ele tentava e conseguia passar a mão em minhas cochas grossas e sádias. Cochas de negra mas de pele branca, pernas que malham muito, que descansam muito, que vivem bem. Eu empurrei sua mão, e ele seguia dizendo que gostava muito de tocar as pessoas, talvez uma alma brasileira. Se um homem brasileiro toca desta forma no Brasil, não é bom. Se o faz aqui, pior. Então qual a explicação, ou desculpa, por assim dizer, darei a minha mesma de tê-lo procurado no dia seguinte.

Acontece que mulheres são apaixonáveis, mas somos apaixonadas. E eu, bem, eu tenho 22 anos e bastante experiência que a cada nova relação se zera e eu não sei o que fazer. Sou crua sempre, singela, uma cabeça de tigela, uma amostra de vidro. Pego-me de surpresa repetindo os erros e caindo de amor em dois dias.

Depois que meus pais se separaram, minha mãe teve vários relacionamentos frustrados. Muito amores acabaram mal, se é que foram amores. Meu pai casou um vez até agora, mas morou com várias. Em um mês já estava metido no apartamento daquelas mulheres desconhecidas. Sou fruto do vosso ventre, minha mãe. Sou parte de sua carne, meu pai. Sigo amanando, e amo seguindo, pois sem ele minha alma seca como fruta no sertão, como agua na chapa quente. Sou derradeira.

Acabou minha cerveja, acabou o jogo. Eu não sabia se estava me divertindo com ele. Era um estado de demência completa, sem saber o que falar, sem saber o que pensar e sem saber se era bom ou não. Ele levantou correndo, o jogo havia acabado. Mas por que tanta pressa? Sim ,as pessoas saiam, ele saia na frente como que assustado, corre de algo, talvez fuja de sua própria sombra. O que será que esconde? Preciso desvendar.

Fui resignada atrás dele. Sou mulher, sigo o homem.

Meu albergue é bem na frente, ele me segurou e deu-me um beijo na face direita e foi embora, assim, bem de repente, da mesma forma como saiu apavorado do bar onde nos conhecemos. Tão rápido quanto nos conhecemos, tão rápido como nos envolveríamos. Tão rápido como acabaria.

Eu estava em estado de choque. Pedi para conhecer alguém, e sim, conheci alguém. E esse alguém seria diferente? Teria carinho? Teria amor? Teria paciência? O amor é sorte, é merecimento, ou não. Mas de qualquer forma, talvez não seja algo para mim. Somente para os outros, para os outros que passam lá fora, para os outros que vejo da janela. A realidade encantada que para mim é sempre diferente. Vai e volta e estou só. Volta e vai e não sei para onde ir. Fazia frio em Paris, e eu precisava aquecer-me. Então por que não um alguém, mesmo que fosse, qualquer alguém, para acender um pouquinho do que havia se apagado desde Andreifi? Era só esperar, e tomar alguma atitude. Quero, digo e espero. A vida me mostra o caminho, e eu sigo em frente.

Subi as escadas estreitas para o meu quarto. Eram 3 beliches. Quarto misto, haviam homens e mulheres de vários lugares do mundo. Eu amo a diversidade, eu amo o encontro, eu amo a variedade.

Arrumei minha cama, abri meu saco de dormir. Escovei os dentes, coloquei o pijama. Então, entrei confortavelmente em meu saco quente. Sentia-me como um lagarta que se prepara para virar borboleta. Amanhã acordarei para voar, abrirei meus grandes olhos verdes e verei o mundo de cima.

Tolices, mandei um e-mail para Alexis. Escrevi assim:

“Hi...

it's Ana

the brazilian girl from the bar...

I really liked to know you...

I hope we can meet again...

Bises”

E é assim que o erro começa. É boa a vida solta pelo mundo, é boa a vida inconstante. Dormi prequiçosa, cheia de vontade, preparava-me para voar alto e a velocidades rápidas, sentir o vento gelado na face e não descansar jamais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário