
Eu nem mesmo pensava sobre estas indagações ao passar pelas portas suntuosas do Centro Cultural da Justiça Federal no centro do Rio de Janeiro. Eu ainda estava embriagada de Canale, e não esperava de forma alguma ser puxada tão bruscamente para a realidade atordoante e caótica de minha própria cidade.
Exposição : Rocinha – Cotidiano e Arquitetura
Fotografia: Rodrigo Queiroz
Curadoria : Marco Antonio Portela
Local : Centro Cultura Justiça Federal – Rio de Janeiro
De 10 de agosto a 26 de setembro de 2010
Entrei na pequena sala onde estavam as fotografias da exposição da Rocinha, e não sabia qual ver primeiro. Eu queria lambê-las com os olhos. De forma bizarra, eu senti prazer em observar aqueles cortes vertiginosos, em chegar mais perto para compreender, em olhar os monóculos com as pequenas fotos lá no fundo. Era como observar, espiar, desfragmentar a realidade. E hoje, chegar perto destas imagens é algo fugidiço. Acordei tarde e soube do tiroteio em São Conrado. Se podemos ver com nossos próprios olhos aquelas imagens ? Receio que não. Na época em que as fotografias foram feitas, o próprio fotógrafo tinha que pedir permissão para subir o morro. Hoje em dia ? Não há permissão.
Por vezes, recebia a notícia, após horas aguardando a pessoa que o acompanharia, de que aquele dia não seria possível subir. Era servo de sua obra. E insistiu, voltou outras vezes, aguardou, resistiu. Entretanto como captar a essência daquelas pessoas, o espírito, aquilo que não podemos ver a olhos nus, se estas ficavam receosas com a lente do fotógrafo ?
Rodrigo Queiroz resolveu que seria necessário tornar-se parte do lugar, fazer com que todos acostumassem-se com sua presença. E assim fez ao ficar um ano imerso neste projeto. « Eu nunca pedi nada pra ninguém. » disse o fotógrafo referindo-se à espontaneidade de seus personagens e sendo senhor de seu olhar.
Entre subidas e descidas, descobriu o som do lugar, que pode ser ouvido em sala contígua à sala principal. O som tal como a cor é o alívio da alma, a redenção do corpo, o ópio inebriante dos pensamentos.
A Rocinha é mutante, cada dia acorda e dorme de um jeito. E Queiroz conseguiu captar esta energia empregando tratamentos diferentes às fotografias, algumas preto e branco, outras em sépia, muitas com alto nível de saturação, indo de encontro ao pensamento bressoniano de que a fotografia tem fim no seu ato.

E ao final deste árduo trabalho, Rodrigo Queiroz conseguiu atravéz de um plano pictórico caótico declarar a sua visão daquele mundo oculto, daquela cidade autosustentável onde tudo é reaproveitado e transforma-se, até os sentimentos que vão, ao correr do tempo, de indiferença a compreensão, de medo a compaixão. E ficamos ali extasiados com a profundeza do tema, de moças fazendo as unhas, de pessoas vendo televisão, de crianças jogando bola, costureiras, tudo tão normal, tão real retratados em diferentes proporções.
Se Gombrich me permite, farei de suas palavras as minhas :
« Falar com argúcia sobre arte não é difícil, porque as palavras que os críticos usam têm sido empregadas em tantos contextos diferentes que perderam toda a precisão. Mas olhar um quadro com olhos de novidade e aventurar-se numa viagem de descoberta é uma tarefa muito mais difícil, embora também mais compensadora. É incalculável o que se pode trazer de volta de semelhante jornada. »
Com um pouco de inveja, digo que o maior deleite ainda é do próprio fotógrafo. E a exposição foi uma singela degustação. E agora ficamos, pacientes, aguardando o livro que será o grande fruto, para então podermos refazer os passos de Rodrigo Queiroz nessa perigosa e satisfatória jornada pelo cotidiano e arquitetura da Rocinha.
* fotografias cedidas gentilmente por Rodrigo Queiroz.
Oi Ana.
ResponderExcluirExcelente seu texto!
Foi um prazer te conhecer.
Esperamos degustar outras à tua companhia.
Mantenha contato.
Bjs,
Rodrigo e Patrícia
Seu texto é simplesmente lindo!
ResponderExcluirObrigado.
Rodrigo Queiroz