sábado, 7 de agosto de 2010

Goeldi - O encantador das sombras


Cheguei muito cedo à aula de estudos do plano com o professor Ricardo Becker. E resolvi aproveitar a luz enevoada dos jardins do Parque Laje para caminhar um pouco. Eu estava de meia-fina e aquele era dia para calça, nem minha echarpe estava comigo. Olhei as folhas, senti vontade de saber desenhar.

A aula correu bem, novos amigos et tout va bien. Agora era hora de Cícero (quando eu vou para as exposições com meu caderno para divagar e fingir-me crítica de arte). Hoje eu iria para a exposição do Goeldi, indicada pelo meu professor-orientador Pedro Duarte de Andrade. Nada eu tinha ouvido até então sobre este artista. Santa ignorância ! O dia estava chuvoso, chão molhado, céu cinza ; por assim dizer, dia mais perfeito para ver Goeldi, impossível.

Exposição : Goeldi – O encantador das sombras

Curadoria : Lani Goeldi

Local : Centro Cultural Correiros – Rio de Janeiro

De 22 de julho a 05 de setembro de 2010


As palavras de Lani Goeldi encantaram-me :

« A arte foi seu refúgio, tirou a luz das sombras e deu sombras à luz (…) » e a partir delas eu preparei minh’alma para receber a beleza da arte de Goeldi de mente aberta. Suas obras flutuavam com fios de aço como luas sobre o mar das paredes pintadas de azul. As molduras cor de cobre davam esplendor e destaque às gravuras e desenhos. E fui sendo sugada para o universo de Goeldi. « Cada traço é um pedaço de nervo com a veemência de um coração bárbaro. » Goeldi.

Soa como « Coração denunciador » de Allan Poe, encanta-me como vinho bom. É simples e complexo, tudo ao mesmo tempo. Quando vi o peixe olhar a faca cravada na mesa, aguardando para ser usada no seu sacrifício em « Peixaria » nanquim sobre papel, fique anestesiada. Era a dor do dia a dia, o sofrimento do peixe, o sofrimento de todos nós aguardando pelo golpe da vida afugentar o sopro de vida. Este quadro é seguido por outro homônimo, entretanto a faca já está no pescoço do peixe.

« O que é preciso é criar, dar alguma coisa de si, usar a fantasia e a vontade criadora, para gravar sempre mais em profundidade. » Goeldi. Contemporâneo de Anita Malfatti, Goeldi entendia o drama da cor, principalmente a preta como Mark Rothko. A essencialidade de suas formas trazem um arrebatamento sutil a quem o observa. É quase como não ter um lar. Seus personagens são solitários, tanto quanto um peixe, tanto quanto um pescador, tanto quanto um ladrão em dia de chuva. É preciso ter alma para não morrer. É preciso ter luz para ver, é preciso ter força para enxergar na escuridão. É a imagem do vazio cheio de sentimentos como o momento decisivo de « O ladrão ». Em contraponto, a espera do mal certo, ali, na porta ao lado, temos « O mal ».

Goeldi demonstra sabedoria ao utilizar a cor, o vermelho, por exemplo. Este serve de ponto de atração, indicando a direção do olhar ; ilustrado nas gravuras « Cabeça » e « Rua ». As cores não são aleatórias e nem ornamentais. Fazem parte de um jogo semiológico perfeito entre conceito e linguagem.

Achei muito curioso os cometários serem em sua maioria, ou na totalidade, advindas de escritores e poetas, sua obra seria mais poesia que gravura, mais linguagem progressiva que permanente ?

« Um artista admirável. Das duas tendências principais da xilogravura moderna, a germânica e a anglo-saxônica. Oswald Goeldi segue resolutamente a primeira. Possui essa liberdade luxuosa do desenho em branco e preto, que pode ir da síntese mais rápida à análise mais amorosa. E traz da escola alemã moderna essa fineza de critério com que ela soube conservar na xilogravura contemporânea as qualidades vegetais desse processo de impressão, que do Barroco pra cá tinham sido abandonadas. » Mário de Andrade.

A gravura que mais gostei ? Certamente « Estrada », dirigiria por ela com um carro esporte vermelho, para não destoar da paisagem. Seria tão solitária quanto seus personagens, tão profunda quanto uma bacia de sangue.

Observação interessante : troquei duas palavras com Iara Tupinambá, artista plástica mineira que foi aluna de Goeldi. E sim, travei, fiquei congelada e não consegui perguntar nada. Deve ter sido o ar condicionado…

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