quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Olhos e frames


Eu fecho os olhos e vejo alguns frames de uma animação covarde. Eu estava em frente  ao MASP quando vi um homem tropeçar na calçada e cair lentamente de cara no chão. Como em “Irreversível” de Gaspar Noé, eu pude ver aquela cara velha do homem se amassando ao tocar o chão. Seu crânio voltou a bater novamente. Foi como me senti em Paris: totalmente inútil, obsoleta. São os olhos, a culpa é dos olhos que enfiam em mim toda aquela culpa, ainda verei muitos olhos pedindo minha ajuda e eu poderei apenas dar-lhes o meu flash. Sinto necessidade de ser mais humana. Estou cansada não sei do quê. Acho que desse total estado de vegetação mental. Me gustan los desafios, y a ti? Le gustan? Lábios tão doces, aqueles olhos tão negros. Confundo tudo quando fecho os olhos e não sei mais lembrar do teu rosto. Apenas sinto seu cheiro. Não vejo nada. Não quero ver. Você me fala de filmes e de fotógrafos. Eu não quero te entender. Vivo. Olho para esse anel azul no meu dedo e lembro de festivais de filme nos quais nunca estive, sinto aromas. Ele caiu. Do seu nariz jorrava um sangue falso, a luz era cinza como em Londres, estava frio. E eu, eu não sabia o que fazer então, olhei seus olhos negros. Não foi um homem que caiu na minha frente, foram minhas ilusões que acordaram com aquele impacto. Trazia-me realidade, esta que eu não queria ter consciência. Meu ovário direito me faz lembrar que sou humana. Ele dói. Tão simplesmente vivo.  E entendi toda a situação, pela minha cabeça passam milhões de coisas menos que nosso amor é verdadeiro.

É incrível como me apontam e dizem na minha cara quem sou. É mesmo? Nem mesmo eu sei quem eu sou. Queria ver um filme agora. Um filme que contasse a história de uma garota americana que viaja pela Europa. Deixe-me contar sua historinha.

Ela comprou um vinho barato e resolveu bebê-lo na pseudo-praia daquela ilha francesa no meio de Paris. Ela tinha sido absorvida por aqueles olhos que a seguiam e pedia explicações de todos seus atos. Que imagens atrozes! Ela olha ao longe e vê pessoas comendo suas baguetes  e  vendo os barcos passarem. A luz é rósea e alaranjada. Ela adora aquela solidão marota, pessoas a olham com descaso. Ela sente pena de todos. Na verdade, ela não sente nada. Ela pedi amigos. E dois garotos franceses lhe ofereceram batatinhas. Seguiram juntos para um passeio pelas ruas parisienses que pertencem a somente eles. Comeram crepes e riram. Ela sentiu-se excluída por não falar francês. Ele a olhou e ficou tudo bem, afinal quem se importa? Não precisavam falar para entenderem-se. Bastava olhar. Aqueles olhos negros. Ele ia à frente, desceram as escadas de alguma ponte. Ela disse “Au revoir” e ele logo gelou. Ela não poderia ir-se assim. Ele subiu as escadas correndo e perguntou para ela em francês se ela  gostaria que ele a acompanhasse até o albergue, ela respondeu em inglês que gostaria muito. E andaram, ela guiando os dois.

Em uma rua estreita eles se beijaram, garotas passavam e olhavam com vontade. Todos querem amar na capital d´amour. Ele vai embora. E a história acaba assim. A vida é assim: simples. Sem fogos de artifício, sem amores ideais, sem. Eu poderia mudar o fim e dizer que ele a matou, ou que eles se reencontraram e casaram e depois brigaram. Amores possíveis. Porém, não, acabou assim sem nada demais. A vida é dura, meu amor. Bombeiros me olhavam com rancor. Eu sentia prazer ao ver todo aquele sangue misturado com água e gasolina. O limiar é fino, quebradiço. Eu não queria ter princípios nem mesmo ética. Ética? Qual a estética da ética?  E fim.

Hoje tudo terminou seco e sem respostas. A vida é assim. Não existem finais de novela das oito nem mesmo making-of. Tudo que mais sinto falta são as coisas que não posso tocar. A realidade intangível toma conta de meus pensamentos.

 

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

What a foggy day!

Eu tenho medo. Eu tenho medo. Quando você apareceu naquela casa, como eu poderia pensar que se tornaria o meu desejoso amor. Oh, ilusões traiçoeiras, oh, coração que denuncia minha fraqueza e dor. Eu só quis que você soubesse que não sou tão forte quanto você imagina. Vivo numa relação de boicote próprio e já não consigo não agir assim. Com você quero parar, quero estagnar meu ser em uma condição permanente e segura. Na verdade sou como nos poemas de Heloisa Correa: sou meu próprio porto. Entretanto se você for meu navio, eu poderei navegar tranqüila. Sim, sou marinheira. E essa história poderia ter acontecido em Veneza. No entanto, eu pude sentir Milão, São Lourenço e São Paulo. Os santos dizem sim. Acho que rola mais que bola na ladeira.

Perguntou-me o que eu escreveria sobre você, eu disse que só escrevo quando acaba, porém eu deveria escrever no percurso. Acho que disse mentira. Eu faço das duas formas. E é nisso que acreditarei porque “pra mim ainda não acabou” disse Ana Carolina em suas músicas. O que aconteceu em Milão tão pouco importa, pois o final já é previsto tendo em vista que ainda estamos juntos.  Sensações de Amsterdã no final da rua em Milano, casa em construção em São Lourenço. Esta sim tem prazeres terrenos tão parisienses como um sonho bom. Abro aspas para ela.

Ele me olhou tão profundo nos meus olhos traiçoeiros que não pude me proteger. Também fazê-lo nunca me trouxe nenhum benefício. Tudo estava tão noir e eu podia ver quando a luz beija a poeira e a faz dançar pela sala com moveis espalhados pelo lugar. Alguns olhavam para a parede, outros observavam curiosos por não terem há tempos a quem observar. O destino começa a ficar perigoso. Nomes se entrelaçam, respirações ficam mais próximas. Ele tira minha blusa e me invade o pensamento sem pedir nenhuma permissão. Eu estou feliz. Eu sempre estou feliz ao seu lado. Não consigo me zangar com seus atos. Na verdade, não quero me zangar.  Poeira, havia muita poeira. O som dos pássaros. E eu pensava sobre minha mãe. Quem é ele? Quem é ele? Quem o deixou me querer? Como você pode ser tão ambicioso a ponto de achar que pode me ter? Gostei da sua prepotência sutil. Permiti. Invasores doces e casuais. Você ao contrário é forte, sábio e menino. Você nunca vê quando eu choro. Elas caem, se jogam dos meus olhos como nunca as vi fazerem. Você nunca vê. Você não sabe que sou franca. Parti. A viagem nunca acaba. Estou ficando cansada. Pára! Perdão pelo grito. Ainda trazia lembranças de Paris. Aquele monte de ferros imensos era apenas a sobra de toda a tortura que alguém está provocando em mim. Quem é? Quem são?

Eu não preciso mais saber de nada, não procuro soluções. Eu vi, eu percebi que você sempre chega na hora certa, surpreende-me com seu método e rispidez. Eu te vi no parque, Parque das Águas, Parque do Piqueri, Praça do Duomo.  Por favor, não suma. Persiga meu futuro como a morte persegue a vida. Não deixe que eu me perca por entre meus pensamentos absurdos. Tenho medo. Tenho muitos medos. Pulo a ponte e volto para o presente que já virou passado.

Como é um dia nublado em um parque? A paisagem muda tanto. Estávamos sentados em um daqueles brinquedos de toras de madeira bem alto. Ele me deu a mão. Não tinha nada que pudesse nos atrapalhar, não havia nada que eu pudesse fazer para expulsá-lo dos meus olhos. Estávamos ali, estava frio, fog. E eu, sem bateria na máquina. Gostaria de ser uma só porém não seria eu. Prefiro me repartir em várias, em mil. Na Augusta eu senti a gélida distância que existia entre nós. Eu sei que estava tudo apenas na minha cabeça. Por que eu sempre faço isso? Por que eu não me permito? Entramos em um cinema e vimos um filme de samba, de Portela, de passado.  Ele dormiu e eu o acordei com beijinhos, sussurrei baixinho para irmos para casa.

Aquele lugar, com aqueles prédios. Eles nunca param e eu os acompanho. Nem o frio consegue me impedir. O som era alto e a luz baixa. Existia Tatoo por todo lado. Aquele nicho Sarajevo. Senti-me em casa. Feels like home.  A luz era igual a da casa em construção, lambia a fumaça que dançava por entre pessoas que vibravam seus corpos acompanhando a batida da música. Bebida acabou, vamos descer para pegar mais. Eu. Eu. Eu. Não sei o que eu ia dizer. Aquele rosto todo marcado por tinta me prendia o olhar e transformava minha existência em uma condição sórdida de sufoco claustrofóbico. Pessoas tentam me avisar, tentam salvar alguma existência inocente em mim. Tudo virou um plano cartesiano de filmnoir. Havia muitas rainhas e reis, porém ninguém sabia em quem confiar. Os cubos de gelo desapareciam tão rápido. Acho que nossos corpos elevaram a temperatura do lugar.

Puxei-o para dentro do banheiro onde declarei todo meu amor por esse menino homem. O segurança endoidecido de tesão frustrado ouvia nossa conversa atrás da porta. Quando saímos quis me pôr para baixo. Dei um pequeno show só para ganhar mais notoriedade ainda. Esse veneno não me deixa hora algum. Seguimos uns aos outros e paramos. O ambiente mudou.

Agora era um samba maxixado, mulheres querendo dançar comigo. Os desenhos no seu rosto descobriam tudo o que eu pensava. Eu só ouvia uma onda de som tomar conta da minha cabeça. Quis dançar na mesa. Dancei na mesa. Expulsaram-me. Quis me trancar em um banheiro. Quis fazer coisas das quais me arrependo depois. Fiz. Senti vergonha no dia seguinte de contar para o meu amor o que havia feito. Meus pés não tocam o chão. E como posso me comunicar com o mundo por esta ventosa que me deixa segundos de consciência? Estou tão cúbica que minha cabeça cai no chão. Sinto frio, estou gelada. Ele me deixou passar frio. Senti raiva. Ele me beijou o corpo. Eu dormia morta como um saco de cimento. Não senti nada. Voltei. Chorei. Acabou.

O celular tocou. Uma mensagem:

Te adoroooooo

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Oh que dia sagrado que dias mais sagrados



Talvez a falsa linearidade já tenha cansado nossos caros leitores... manteremos pois assim, uma cadência sublime para que possam relaxar, e sentir os ares de ruas que já fazem parte do meu corpo e de meus atos e gestos...

Dançaram-me para o final do amor... conduziram-me para tons que não alcanço. As notas das músicas podiam ser vistas nas nuvens.

Ah, abro mão da linearidade, mas não dispenso a ternura das melodias que possuem um sentido. Pelas lentes de uma D40 mudam-se os pontos de vista. Até para aprender que há outros além dele... Talvez nada que o substitua, entretanto, com excitação no coração, as coisas acontecem.

Existem várias forma de conhecer o Sr. Eiffel. Uma delas, se os senhores me permitem, é sentindo o fresco da grama vendo brilhar as luzinhas mais delicadas de toda a realeza. O que posso dizer de uma semana na capital francesa, um país chamado Paris. Toda uma seqüência suave de acontecimentos que nem sequer possuem uma forma ou maneira de existirem nesse mundo. Ouço o som de violinos, vejo sombras dançarem para mim. Todas as sensações que um lugar pode te oferecer. Terei que ser um pouco metódica. Esta história mais para estória que as outras.

Até então minha mente estava vazia, não podia me apaixonar por causa da coluna. Sabe quando amamos, carregamos muita bagagem conosco e minhas malas já estavam cheias por demais. Desfiz de tudo quanto pude antes de deixar minha toca. Vivo numa toca muito confortável, tem até água corrente. Se vocês soubessem como senti falta daqui. Descobri que as coisas só acontecem por algum motivo muito definido.

A última coisa que me lembro foi eu ouvindo Garota de Ipanema em Brugge cantada por dois rapazinhos cheios de espinhas no rosto. Como pessoas tão jovens podem cantar sobre o amor? Eles não sabem nada sobre o amor. Não me incluo, pois eu não sei mesmo o que é o amor e nunca saberei. Apenas posso dá-lo, porém nunca, nem mesmo por segundos, poderei explicá-lo.

Cenas: eu desesperada para falar com o Tal. Adorei este nome. Combina com ele, pois não o conheço e no mesmo exato segundo senti-o tão próximo dos meus olhos. O telefone engoliu 50 centavos de libras meu. Ali decidi que era o suficiente para passar por tudo aquilo. Segui procurando um parque escondido, havia lojas de Cd´s antigos, pessoas solitárias que te olham como se você quisesse falar olá para elas. Olhava para casais sentados em cadeiras de parque, um lago obscuro e patos e gansos brancos como nem as nuvens eram naquele lugar. Senti abandonada e perdida com a minha lata enorme de Pringles. Fui seguindo as luzes até que elas me levaram para um caminho mágico, com cores pastéis e seres encantados.

Deixei-me levar por todo aquele sonho e deparei com esquilos saltitantes, posando para mim, o sol bailando e construindo sombras e nuances de rosas incríveis. O que eu poderia pedir mais? Aquela é a beleza da vida. Foi então que refleti sobre o que tinha nos ligado sobre o que falávamos: liberdade. É o tom da época, é o status quo, é a alma e tudo o mais que podemos inventar para falar de comunicação. É nosso e por isso é refortalecedor. Cada um seguia um destino em todas as cenas, eram momentos fulgázes que nem cabiam no relógio. Entrei no “tube” e pensei sobre aquele projeto tão bem estudado e cuidado. Senti-me em uma aula de design. Entretanto, era real, estava tudo alo ao alcance dos meus olhos famintos. Engoli cada grão nas fotografias, cada emblema, toda a sujeira.

Queria beber um “Stella Artois”. Serviram-me, no pub britânico perto do meu albergue em Gloucester Road, um chop duplo apenas para abrir o apetite. Acho que Canadá deve cheirar igual Londres. Devem ter cores semelhantes, porém Canadá é mais febril. Encontro amores perdidos em esquinas, em tubes, em bairros diferentes, porém não vejo nada em seus olhos. O verão lá é frio e sempre aquela “pouring rain”, todos os homens são como artistas de cinema. A vida é muito curta para todos esses amores que eu queria ter. As pessoas são estranhas e mofam em suas casas antigas. A geléia de Paris melou minha mochila, comprei um stamp para costurar nela e todos falam como a Lily Allen. Indie rock existe e eu estou só.

Virei a página para recomeçar, estou presa em “Closer”. Londres é tudo o que eu pensei. Gosto de estar longe de tudo o que já conheço para observar. Sinto-me bela, a cerveja é bronze. E eu sinto frio. A cerveja é quente como gosto. Todos sentem frio, todos querem dormir abraçados.

Homens não gostam de garotas no balcão. Poderia falar horas sobre isso ou não. É bom poder pensar. Eu estava ali muito bem acompanhada da minha Stella e do meu skate. Parceiros ideais. Ouvi Fergie, Britney Spears e Cramberries. Comi steaks.

Tive pesadelos com pássaros, acordava e comia o que tivesse na frente. E ouvia vozes das pessoas que dormiam comigo. Até o inglês que vivia ali como o check out do Hotel Califórnia e o escocês que falava que feijão dava peidos, todos eles vaziam parte de um dos layers dos meus pensamentos. Eram sobreposições de imagens que não me levavam a lugar algum. Acordei no dia seguinte arrastada pela onda de cheiro das salsichas que subia do porão. Levantei e fui em direção aqueles barulhos de filme cult, como no filme que depois vi em Amsterdam “This is London”.

Senti o cheiro de tudo aquilo, filmei com os olhos todas as cores dos bifes e feijões, tortinhas de morango e ovos mexidos. Fiquei ali emocionada com o meu último dia no lugar. Meu corpo tremeu com tantos sentimentos avassaladores. De Stellas a skate, de amores impossíveis a fugas e mentiras boas; todos unidos pelo único desejo que me mantinha forte: buscar a fotografia perfeita. 

domingo, 7 de setembro de 2008

Ibiza ou Elvissa...eu precisava saber...desculpa...





            Eu poderia começar com "Foi o final de semana mais louco." Seria até verdade porém soaria tão vazio. Prefiro dizer que pele clara em um quarto mediterrâneo completou minha alma como ouvir jazz domingo à noite no meu apartamento. Eu e uma amiga, não citarei nome. Nem sempre as pessoas ou os nomes delas são importantes. Nunca lembro nomes. Compramos passagens de navio para ir para Elvissa. Já ouviu falar sobre este lugar? É Ibiza. Um sonho, tenho medo de sonhos. Tenho medo de desejar coisas, elas podem tornar-se realidade.

            Eu tinha sono e não aquentava mais Gandía. Todas aquelas falsas amizades, toda aquela farsa. Eu precisava ser eu, eu precisava voltar para algum lugar. Luzes dizem muito para mim. Chegamos a Ibiza e vi tons roxos e verdes. Era tão lindo e tão particular. Lembrei do meu ex-noivo light designer. Queria dizer a ele que sabia distinguir cores. Chegamos ao porto e não sabia o que fazer. Não gosto de narrar acontecimentos, apenas o que senti. Senti-me sozinha, não era a pessoa com a qual eu queria estar, não eram as roupas que eu queria usar. O ar estava fofo como em um bolo de laranja. Eu sentia-me segura sem mesmo saber o porquê. Perder faz parte de tudo. Andamos, eu senti muito medo, um frio que não existia, vontade de abraçar meu pai e pedir perdão. Três pais-nosso e quatro ave-marias. Como se eu me preocupasse com rezas. Dinheiro é necessário. Eu sabia que aquele não era o meu lugar, pelo menos não com a companhia que eu estava. Confie, confie em você.  Fomos para o lugar das luzes. Entramos. Nossa sorte cambiava a cada segundo. Gosto de repetir isso porque a cor dos meus olhos também cambiaram. Como escrever sobre amores? Conhecemos Patrick: o amigo do Bob Esponja. Situações favoráveis. Santos e anjos dizem amém para minhas maluquices. Tenho medo mesmo assim. Fomos para a casa dele e ...

            Imaginem o que quiserem, até minha mãe não acreditaria em mim. Ele foi amável, tomei um banho. O banheiro parecia os dos prédios do Jardim Botânico. Senti-me em casa. Banheira. O quarto dele tinha uma luz difusa que me rendeu pesadelos. "Você vai conhecer a máfia madrileña amanhã." Bronquite asmática, um homem de terno, alto, forte e atraente sacou uma bazuca de seu palitó alinhado e começou a atirar em mim com fogos de artifício. Eu ali parada em um bar chique. Não consegui me mexer até que alguém me puxou e mesmo assim eu não queria ir. Seus olhos me prendiam, seu corpo e calor que eu podia sentir mesmo com todos aqueles tecidos.

            Acordei e Patrick tentava me beijar. Nada é de graça. Eu não ligava. Já fiz tantas coisas das quais me arrependo. E sempre acordo sozinha. Fugimos. Praia de Ibiza. Sonhos. Digo: sonhos são traiçoeiros. Eu não queria estar ali. Sentia-me oportunista. Não sei o porquê. O sol queimava meu corpo, eu não queria dormir.

            Meu corpo estava leve, não sei o que aconteceu, comecei a pesar como melancia. Tão líquida e tão forte. Descobri que sangrava, meu corpo pedia repouso. Meu sangue esvaia-se por onde podia. Um minuto, preciso de mais bebida.

            Onde eu estava? Só um momento. Hum, eu disse para ela:

            - Eu quero voltar para a casa do Patrick.

            Não tinha chance, naquele estado como tomar banho na praia? Eu precisava de patronagem liberada. Chegamos lá a muito custo, eu não conseguia andar. Tomei um banho, tirei toda a dor do mundo, joguei pelo ralo da banheira. Limpei meu corpo com todo aquele sabonete líquido. Água quente deslizando pelo meu corpo como um chá de alecrim. Foi quando cheguei à sala.

            Tive uma visão totalmente Made by Ibiza: pés descalços cheios de areia, shorts de praia, sem camisa, cabeça raspada, olhos de desejo, verdes como aquele mar que eu podia ver da varanda do apartamento. Falava uma língua que eu não entendia. Era espanhol porém eu não queria falar, eu não queria saber de mais nada. Eu me perdi, não importava mais nem minhas preciosas fotografias. A máfia madrileña. Eu só pensava em gangues, tiros de artifício. Eu queria saber o que usaria para prendê-lo.

            Minhas lentes nos levaram para um passeio incrível por San Antonio. Eu sentia o vento empurrar meus cabelos. Eu via verde, uma cor diferente, tão mediterrânea, seca e bela. Cinco pessoas em um carro, e eu estava completa e totalmente confusa.

            É bom saber que podemos, não mesmo? Eu não sou feminista, nem tampouco machista. Eu sou apenas eu mesma. Sempre a procura do sexo perfeito. Tolice. Fotografias interessam-me muito mais. Status não produzem mais efeito. Pôr-do-sol em uma praia cheia de pedras, pessoas aplaudem. Consigo ver cores, ton-sur-ton, o verde se apaga e deixa o magenta com amarelo se acender. As cores se misturam e eu posso ver o sol. Sinto quando braços fortes e brancos me seguram com pudor. Ah, se ele me conhecesse. Tenho medo de pessoas que me conhecem. Eu poderia atravessar toda aquela água, chegar a barcos, até nas garças que detinham a liberdade tão sonhada.

            Eles foram trabalhar, e nós dormimos. Acordamos já super tarde e fomos para o lugar das luzes bonitas. Eu sabia que elas eram o que menos importavam em toda aquela história. Esperei paciente pela minha particularidade evidente. Eu queria aquele homem forte, braçal, que eu nem mesmo tinha vontade de conversar. Nem sempre conversas inteligentes me interessam. Será que precisamos conversar? Talvez eu seja um pouco machista neste sentido. Não exijo nenhuma ou qualquer intelectualidade. 

            Ibiza pode trazer ares de outras praias. Não quero mais contar nada sobre isso. Só digo uma coisa: foi suave. Vampiros sugam minha alma, e eu permito. Fundi minha alma com a dele, sem a esperança de algo a mais. Eu não queria nada em troca, eu apenas entrei, vi um gato na cozinha, uma mulher linda com shorts alimentava-o. Um casal dormia abraçado no sofá da sala. Havia uma televisão ligada. O sol era azul, igualzinho ao mar. Pessoas gostam de amar. Eu não sei do que gosto. Prefiro fazer experiências. Não precisamos de nada, apenas de uma cama grande, um guarda-roupa velho. Nada mais. Que tenha uma janela com céu azul, algumas flores. E que ele queira estar comigo. Suas mãos tão suaves tocavam meu rosto, eu queria muito mais que ele. Têm verbos que não preciso usar. Onde olho vejo vermelho, nuances suaves do que realmente sou. Eu sei que o tempo não faz diferença, é algo que contamos independente de tudo, de toda vontade existente, nem mesmo é preciso falar a mesma língua.

            Agora só lembro de mim no convés do navio, sentindo que valeu a pena, que aquelas colinas guardam minha história. Que nos vãos do caminho para a partida, ele estava ali, sentindo o mesmo que eu: a certeza de que era necessário ir,  que não importava que apenas tivesse durado horas, que eu seria dele. Na minha mente eu sabia que seria dele e dos próximos. Eu poderia amá-lo para sempre. Amor é perda. Eu sempre quero perder. Deitei e olhei a espuma das ondas. O sol estava fraco, eu voltava. Eu partia. Eu nem sofria.  Vivências são como lágrimas na chuva...