quinta-feira, 8 de abril de 2010

Miami rocks I

Eu estava suando. Eu estou sempre suando em aeroportos. Não sei se é o excesso de bagagem ou a adrenalina. Quem sabe com o tempo eu consiga traquilizar-me. Olhei em volta e havia tanta gente ao meu redor. O aeroporto de Miami não é tão grande, mas é confuso. Era a minha primeira vez viajando sozinha, sozinha de verdade. Em Houston, eu tinha o tio Marcelinho esperando-me de pick-up no Baggage Claiming. Desta vez, eu tinha apenas minha vontade de me divertir. E eu não estava tão certa assim quanto à isso.

Eu tinha duas malas enormes com uma etiqueta de « Cuidado, objeto extremamente pesado ». Claro que estava escrito em inglês, e a frase sempre fica menor e mais compreensível que em português. Compreensível é engraçado, pois é bem maçante.

Deixei os dois pesos mortos no guarda-volume. E agradeci bastante ele aceitarem meu cartão de crédito. Do contrário, ganharia um problema pois foram 100 dólares para deixar as duas malas lá. Quase a mesma coisa que paguei para eu ficar a semana no albergue. Pensar sobre este fato deixava-me completamente assutada.

Há dois meses, antes de vir para os Estados Unidos, eu havia assistido « O Albergue ». Um filme de mau gosto do Tarantino. Digo de mau gosto porque eu estava na situação. Mas assistam, eu adorei o filme. Adorei porque ainda não sabia que ficaria em um albergue em Miami. Eu estava sozinha com uma pequena mala cheia de roupas lindas, um Angel, uma sandália Carmem Steffens e dois colares de cristal. Completamente pronta para todos os pecados que minha cidade natal poderia me trazer.

South Beach representava muito mais que uma semana de férias para mim, seria minha primeira vez na cidade onde eu havia nascido. Segunda vez, para melhor dizer. A primeira foi quando nasci. Que redundante.

Peguei as malas enormemente pesadas, coloquei-as no carrinhos e rodei atras de um guarda-volume. Fiquei indecisa. Deixei-as lá. Eu já contei isso, não é mesmo ? estou reduntante, estou contundente, estou confusa. Na verdade, eu estava sentindo-me completamente sozinha e com um pouco de vontade de chorar. E ao mesmo tempo, completamente livre.

Peguei minha pequena bagagem de mão Liz Clairbone, e segui super sofisticada, super sexy, querendo desfrutar do direito de ser mulher que havia me sido concedido por 7 dias em Miami Beach.

Andei até a saída, e ganhei um belo problema. Eu não sabia chegar ao albergue e eu sabia estar bem longe. O aerporto era em Miami, eu precisa ir para South Beach. Que maçada.

Eu tinha algumas opções : super shuttle, ônibus, táxi. Pensei primeiramente no ônibus. Eu só tinha 200 dólares para a semana inteira. É muito pouco. Não dá segurança, fiquei com medo. Cheguei perto do ônibus, eu sei que o motorista me viu mas arrancou com pé pesado no acelerador. E eu fiquei ali parada com minha malinha azul cheia de rímel nos olhos, tão lindinha e infantil.

Voltei e falei com o moço da van. Eram mais de 20 dólares para levarem-me ao albergue, entretanto eles deixariam-me na porta do lugar. Fazer o quê. Paguei e fiquei ali esperando minha vez. Quando a van chegou, depois de uns 20 minutos, eu entreguei minha mala para o motorista que acomodou-a gentilmente no porta-malas e eu sentei satisfeita no meu banco macio.

Era um final de tarde tão agradável, estávamos no inverno mas na Flórida o sol é gentil e dá as caras mais facilmente. Ele vem abençoar as pessoas que querem divertir-se e nos faz sentir acompanhados. A solidão passa longe, deve ter pego um jatinho para Nova Iorque. Lá sim, lá é possível sentir-se só.

Eu nunca havia estado naquela cidade, a não ser na barriga da minha mãe, ou no colo dela. Todavia, olhava as palmeiras tão retilínias e esquias e lembrava das fotografias que havia visto, e de tantas histórias que havia ouvido. Elas já faziam parte de mim. Encostei minha cabeça no banco e fui deixando-me levar por aquelas belas cores do pôr-do-sol. Era o tom da adrenalina e do conforto : quente e excitante.

Eu havia visto lindas fotografias do albergue. Havia um bar, as cervejas mais baratas de Miami. Foi assim que meu pai escolheu o lugar. Depois ele diz que eu bebo muito. Talvez ele só queria economizar.

A van parou.

-Ana Carolina, este é a sua parada. – o motorista desceu, pegou minha mala e eu fiquei ali parada por dois segundos na frente daquele buraco escuro e todo descascado.

Foram 120 segundos eternos e eu olhando para aquele corredor aterrorizante. Respirei bem fundo e segui pelo escuro. Eu sabia, eu não voltaria viva daqueles sete dias. Eles iam me violentar, esquartejar, degolar, arrancar meus cabelos.

- Pára, pára de pensar merda. Se é pra morrer, morre com coragem e feliz, porra ! – isso foi minha conciência falando. Normalmente, ela é mais rascante que eu. Mas eu a perdoo.

Entrei na recepção do albergue e havia um lindo sofá amarelo gema de ovo. E não vi nenhuma faca, arma ou corrente. Talvez eu não fosse ser assassinada. Eu estava preparada ou não para falar.

- Oi, meu nome é Ana Carolina Malveira Ferreira. Eu fiz reserva para uma semana. – e fiquei ali esperando.

O moço mandou-me para um quarto muito pequeno com umas 6 camas. Era caustrofóbico. Sentei na cama que seria minha. Olhei para o lado e havia uma garota gorda e baixa, ela estava com roupas que eu não usaria nem para ficar em casa. Ela olhou para mim com olhos gentis e puxou conversa.

Ela falou de onde era, mas eu não prestei atenção. Ela estava ali para procurar emprego, ela tinha cara de fome. Então, tive um clique e lembrei que meu pai havia feito reserva para um quarto com 4 camas e não 6.

Desci as escadas correndo e falei com o moço. Era verdade. Sobi correndo novamente e pequei minha pequena mala. Segui para o quarto ao lado. Apenas 4 camas, 2 beliches. Yes ! Bem melhor. Talvez não tão melhor. Haviam duas alemães nas camas de cima. Elas tinham uma cara apavorante. Eu fiquei com medo daquelas caras brancas e fechadas. Elas nem mesmo falaram comigo. E tinham lindos notebook no colo. E eu com medo de roubarem meus sapatos. De uma certa forma, relaxei.

Arrumei minhas coisas e fui à CVS comprar cadeados para o armário. Comprei os únicos que tinham. E acreditem, eu fiquei com vergonha, pois eles eram muito grandes. Coloquei somente o dinheiro, os sapatos, os perfumes e os brincos no armário. Eu fiquei com uma das camas de cima, o que causa certo desconforto para mim ter que subir. Fiquei imaginando eu chegando de madrugada.

Organizei a mala como mamãe ensinou. Separei duas produções para cada dia, uma para a praia e outra para a balada ; assim não perderia tempo pensando em qual roupa usaria. Com já estava noite, peguei o modelito noturno e fui tomar um banho. Eu precisava tirar aquele suor todo do meu corpo e liberar geral.

Ali, naquela cidade, eu não era ninguém, era invisível, e sozinha. A Ana Bacana havia ficado em Franca, 3 meses atrás. E eu, definitivamente, queria fazer amigos. Cologuei minha necessaire pendurada em algum lugar e liguei o chuveiro.

O banheiro não era tão mal e eu estava preparada para o pior. Haviam uns tablados no chão como nas academias de ginastica. Uns espelhos quebrados e a janela dava para um terreno baldio. Comecei a molhar-me, a água era gentil com meu corpo. E eu relaxei excitada com o pequeno cartaz que havia lido na porta do banheiro. Haveria uma festa com bebidas liberadas somente para pessoas do albergue. Era uma excelente estréia, não é mesmo ?

Olhei pela fresta da cortina e vi uma garota com rabo de cavalo comendo iogurte. Ela entrou no banheiro com a colher na boca. Eu tenho certeza que era de morango. Mesmo que não fosse, nos meus sonhos seria morango. E ela estava com um agasalho com a bandeira do Brasil.

- Ei, você vai na festa hoje ?

- Sorry ?

- Sorry, I thought you were Brazilian. – ela era espanhola, talvez fosse até melhor. Eu não posso dizer que tenha sido amor à primeira vista, mas um impacto. Eu não sou lésbica, okay ?

Tomei banho na velocidade da luz, e encontrei com ela ainda olhando-se no espelho. E perguntei novamente se ela iria à festa. Ela disse que sim. Vesti-me com capricho, afinal, era minha noite de estréia e eu precisava arrasar.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Word 97

Organizei minha cama, abri o cadeado da minha gaveta e peguei minha garrafa de contreau. Eu já estava com o copo de vidro. Fechei a porta do quarto com cuidado para não fazer barulho. Andei com passos soltos até a recepção, na verdade, eram 6 passos. Puxei uma banqueta, coloquei a garrafa e o copo em cima da mesa. Passei a mão no mousse e comecei a procurar algum programa para escrever. Eu não parava de reclamar comigo mesma, como eu poderia não ter trazido meu notebook ? A internet fechava as 23 horas e eu não teria nada para fazer o resto da noite, e depois do que havia acontecido hoje, bem, eu precisava ficar horas liberando energia. Eu precisava do Word 97.

Abri a garrava com cuidado, observei o rótulo. Aquele vidro amber era tão belo, parecia um grande caramelo. Despejei o liquido no copo transparente, e o liguido também era transparente. Eu não sabia, por tantas vezes eu olha, observo, e percebo tão diferente do que realmente é. Bebi um primeiro gole, senti o gosto alaranjado descer por minha garganta esquentando. A sensação não foi boa, senti-me mais culpada e mais pesada. E ainda não achava o programa para escrever.

Olhei para o moço da recepção e perguntei se ele sabia onde ficava, como abria. Eu nem sei em qual língua falei. Sei que ele levantou-se com bastante boa vontade e veio ajudar-me. Eu não observei muito seu rosto, eu apenas senti o calor de seu corpo quando passou o braço por detrás de mim e olhou bem de perto o monitor. Tinha o cabelo com bastante brilho e castanho. Era um pouco gordinho na cintura e era leve ao andar. Eu não consegui ver mais. Eu queria transar com ele, eu sempre quero ; mesmo que eu não vá. Nem é por mim, é mais uma vingança contra algo que eu ainda não defini.

Lembrete : definir o que me traz este sentimento de vingança.

Ele voltou para sua cadeira atrás do pequeno balcão no canto da sala. Era um apartamento antigo de 4 quartos todos com varanda. Era bem moderno por dentro, e havia sido reaberto há apenas 2 meses. A presença dele evitava que eu escrevesse. Afinal de contas, eu precisava escrever sobre a vida, sobre os primeiros dias na França. Não estava muito interessada em nenhuma distração. Muito mais depois do que havia acontecido hoje. Eu tomava mais um gole do meu Contreau. Eu sentia que ele me olhava. Ele era um ruído na sala.

Bebi mais um gole da bebida e comecei a sentir azia. E nem importava, eu não pararia de beber por uma razão tão pequena. Não era só porque eu estava sendo corroída por dentro que deixaria meu olhar cair. A corrosão geralmente traz o metal por baixo da camada negra de solidão. Escolhi deixar corroer.

O menino chamou-me e disse que ser proibido beber dentro do albergue. Estava nas regras. Ele foi gentil e perguntou se eu havia lido. Quem lê as regras ? eu sei, eu deveria ter lido. De qualquer forma, esta foi a primeira vez a beber dentro de um albergue, a primeira vez a precisar ser corroída. Eu levantei levemente, já um pouco anestesiada pelo alcool ; enchi mais o copo de liguido transparente como água e guardei a garrafa em minha gaveta com pequenino cadeado. Voltei para o computador, olhei bem em seus olhos, então vi, eles eram verdes como os meus. Ou até mais. E eu disse :

- Eu só bebo água – confesso ter sido um pouco cínica, mas do contrário, não seria eu.

Quando chegou o recepcionista que o substituiria para o próximo turno. Ele levantou e começou a falar em espanhol com o outro. Esta lingua complicada tão próxima do português, e eu não compreendo. Talvez eu nem queira. Ele, o nome dele é Bruno, encostou no balcão pelo lado de fora e começou a dizer que queria beber uma cerveja, que não queria ir sozinho, que não coseguia dormir, que havia ficado vendo filme até às 4 horas da manhã do dia anterior. Que, que, que, que. Eu nem mesmo virava o corpo para saber. As vezes, olhava de soslaio e percebia serem para mim aquelas observações. Pouco importava, ele era mais um tentando passar um charme, e sim, a rotatividade ali deveria ser bem alta. Muitas garotas bonitas, todas querendo emoções e histórias para contar na volta para casa. Eu sabia serem iscas aquelas palavras em uma voz engraçada sem cadência. E eu estava escrevendo sobre minha história no Word 97 e não precisava de nenhuma distração desnecessária.

Ele foi embora, o recepcionista pediu para eu desligar o computador. E eu fiquei sozinha no meu quarto escuro e em silêncio. Senti falta do ruído. Ele era o ruído. E agora tudo estava calmo. Como eu queria meu MacBook. Aconcheguei-me na cama. Era tão confortável, o travesseiro tão macio. Fui dormindo e esquecendo, esquecendo e dormindo até não saber separar os dois.

E eu dormi até não poder mais manter os olhos fechados. Era uma sina. E eu precisava curar-me dela. Levantei-me, tomei um banho bem demorado e sai para dar umas voltas por Barcelona ; Barça, como dizem aqui. Fazia um frio agradável, e as pessoas estavam bem agasalhadas e eu contentava-me com um casaco leve. O pesado ia na mão, ou bem aberto para ventilar. Eu começava a entender que estava em Barcelona. E por que sofrer por estar ali ? no dia anterior almadiçoei estar ali.

Penso que durante o sono, deixei todas as dores e mágoas em algum mundo distante, bem longe da minha realidade. Eu andava livre pelas ruas da cidade. Eu estava em silência mesmo com todo aquele som das pessoas falando e de tudo acontecendo em volta. Mas não havia ruído. Eu sentia falta, por alguma razão bem contraditória, do ruído. E resolvi voltar para o albergue mais cedo.

Abri a porta pesada daquele apartamento e vi o ruído ali sentado, rindo e conversando com todos. Aquele quadro indiano na parede da entrada fazia-me entender o nome : Karma Hostel. Eu não sabia se este « Karma » era sexual, energia ou pura perseguição.

Eu fiquei em paz quando o vi. Eu sabia, eu havia voltado somente por ele.